* Pesquisa realizada como aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com financiamento da CAPES, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, e da Fapesb, pelo Programa de Bolsa de Doutorado.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

MARIE HUERTIN E O UNIVERSO DA SURDOCEGUEIRA

No dia 27 de junho é comemorado o Dia Internacional da Pessoa Surdocega. Essa data foi escolhida porque nesse dia, em 1880, nasceu Helen Keller, talvez a surdocega mais conhecida mundialmente. Foi justamente pela história de Helen Keller e de sua educadora Anne Sullivan, retratada no filme O Milagre de Anne Sullivan, dirigido por Arthur Penn e lançado em 1962, que fui apresentada, ainda na infância, ao universo das pessoas surdocegas. De fato, meu contato com essa realidade se restringe, infelizmente, a filmes e documentários. Não posso deixar de notar o paradoxo dessa situação: que muitas pessoas, assim como eu, apenas conheçam a experiência da surdocegueira por meio do cinema, uma linguagem pouco ou nada acessível aos próprios surdocegos.  

Enquanto não tenho a oportunidade de ampliar meu conhecimento sobre o tema por outras vias, faço minha homenagem às pessoas surdocegas falando de um outro filme, mais recente e que fala de uma surdocega bem menos conhecida que Helen Keller, embora sua contemporânea. Trata-se de Marie Heurtin, surdocega de nascença, nascida em 1885, na França. O filme, que no Brasil teve seu título traduzido para A Linguagem do Coração, foi dirigido pelo também francês Jean-Pierre Améris e lançado em 2014. 

Além da grande delicadeza e respeito com que o diretor nos conta essa história, é preciso ressaltar também dois outros méritos do seu trabalho. Por uma exigência sua, todas as cópias do filme são legendadas, facilitando o acesso às pessoas surdas. Cópias com audiodescrição foram disponibilizadas para as salas que contam com o equipamento necessário.  Embora isso pareça uma atitude óbvia, ela não é frequente, mesmo em filmes que tratam do tema da surdez, como é o caso de A Família Bélier. Além disso, todas as personagens surdas são interpretadas por atrizes também surdas. A protagonista é interpretada por Ariana Rivoire, jovem surda que recebeu muitos elogios por essa que foi sua primeira atuação. 

No filme, Marie Heurtin, então adolescente, é levada por seus pais ao Instituto Notre Dame de Larnay, uma escola religiosa de educação de meninas surdas. Sob a alegação de que não tinham preparo para trabalhar com uma surdocega, Marie Heurtin é mandada de volta pra casa. No entanto, a jovem freira Marguerite, interpretada por Isabelle Carré, foi profundamente tocada pelo seu breve encontro com Marie e convence a madre superiora a permitir que ela tente educá-la. O que acontece depois, deixo pra vocês descobrirem assistindo ao filme. 

É interessante notar como as histórias de surdocegos retratadas nos filmes nos falam sempre de um encontro especial entre duas pessoas. Tanto a freira Marguerite como Anne Sullivan não se deixaram intimidar pela atitude “selvagem” de suas alunas. Ambas foram bem sucedidas porque puderam se colocar no lugar da outra, puderam tentar entender como esta percebia o mundo, valorizar suas potencialidades e, principalmente, acreditaram que havia ali uma pessoa pensante e desejante. Ao invés de um “animal arisco”, as duas viram nelas alguém ávido por se comunicar e por dar sentido ao mundo, ainda que com os poucos recursos sensoriais de que dispunham.