* Pesquisa realizada como aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com financiamento da CAPES, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, e da Fapesb, pelo Programa de Bolsa de Doutorado.

sábado, 28 de maio de 2016

QUAL A MEDIDA DA SURDEZ?

Embora esse texto comece com uma pergunta, não tem a pretensão de respondê-la, apenas de convidar à reflexão. Tramita no congresso um projeto que propõe a inclusão de surdos unilaterais na categoria deficiente. O Projeto de Lei 1361/15, do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), foi aprovado na câmara em dezembro de 2015 e encaminhado ao Senado, após aprovada a redação final, no dia 17 de maio de 2016, onde aguarda votação. No momento, o texto está submetido à consulta pública e você pode lê-lo na integra e opinar aqui.

Se aprovado, as pessoas com surdez unilateral de moderada a profunda passam a ter os mesmos direitos que os outros surdos, como, por exemplo, tornam-se elegíveis para preencher a cota de vagas para deficientes, tanto no âmbito público, quanto privado. Opiniões favoráveis e contrárias têm sido expressas e discutidas. A controvérsia parece girar em torno da garantia de equidade. Aqueles que são contrários ao projeto alegam que os surdos unilaterais não teriam dificuldades em participar de forma plena e efetiva na sociedade. Além disso, temem que os surdos bilaterais sejam preteridos nas seleções de emprego, uma vez que pouca ou nenhuma adaptação seria necessária, por parte das empresas, para incluir um funcionário surdo unilateral. Aqueles que são a favor, reconhecem as dificuldades sofridas por surdos unilaterais, além de citarem o fato de muitos serem reprovados em exames admissionais, justamente por conta da perda auditiva. Por esse motivo, afirmam, seria justo que os surdos unilaterais também fossem contemplados pelas políticas inclusivas.

Essa discussão é extremamente interessante, não apenas porque a decisão pode afetar a vida de muitas pessoas, mas porque nos coloca de frente com o dilema da definição de surdez. Em consonância com as definições internacionais, a legislação até então em vigor (Decreto 5.296/04) define a surdez como perda bilateral, parcial ou total, de 41 decibéis (dB) ou mais, nas frequências de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000 Hz. Essa seria uma definição sustentada exclusivamente em parâmetros orgânicos, definidos dentro do escopo da medicina.

Por outro lado, teóricos e membros da comunidade surda reivindicam que a surdez seja compreendida não como correlato direto da perda auditiva, mas como uma identidade linguística e cultural. Nesse sentido, os Surdos, assim escrito com letra maiúscula para diferenciar da definição médica, seriam identificados não pelos decibéis de menos, mas pelo uso de uma língua própria, por compartilharem de uma cultura e história próprias e, principalmente, pela experiência comum de exclusão enquanto minoria vivendo em um mundo pensado por e para ouvintes. 

Segundo essa ideia, a Surdez seria uma forma particular de ser e de compreender o mundo. Essa compreensão não localiza as dificuldades vividas pelos surdos na perda auditiva em si, mas em um contexto social não adaptado. Isso significa que, quanto mais inclusivo o meio, menores as barreiras que impedem os surdos de participar plenamente da sociedade. Essa visão é representada pela definição de deficiência estabelecida na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que diz: “Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” 
  
Porém, assim como para outros tipos de deficiência, têm-se encontrado muita dificuldade em traduzir essa compreensão em parâmetros objetivos, que sirvam de critério de inclusão em políticas afirmativas e para a concessão de benefícios. Como medir as dificuldades enfrentadas por cada pessoa na sua busca pela participação na sociedade? Como avaliar os danos subjetivos provocados por viver com uma diferença? Que outros fatores e espaços de pertencimento contribuem para a construção de uma auto-imagem positiva? Como materializar na definição de surdez a importância do meio no estabelecimento de barreiras? Esse é um grande desafio teórico e ético, que deve ser tratado com profundidade e respeito. De nada adiante dividir os surdos e criar um clima de disputa entre posições. Trata-se de encontrar meios para a construção de uma sociedade mais justa, o que se faz melhor quando feito com cuidado e com afeto.    



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