* Pesquisa realizada como aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com financiamento da CAPES, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, e da Fapesb, pelo Programa de Bolsa de Doutorado.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

LÍNGUA DE SINAIS KA’APOR BRASILEIRA

O Museu Emílio Goeldi é um pedaço da floresta no centro de Belém. Além de plantas e bichos da Amazônia, alguns correndo soltos pelo mato, o museu conta com um espaço de exposições, o Pavilhão de Exposições Domingos Soares Ferreira Penna, também chamado de A Rocinha. Em visita ao museu pude apreciar a exposição Festa do Cauim, que retrata a cultura e tradições do povo Ka’apor, através dessa festa em que são celebrados diversos rituais de passagem, vividos por todos os membros da tribo. Ka’apor, em tupi, significa Povo da Mata (Ka’a, mata e poro, povo). Esse povo é também chamado de Urubu-Ka’apor. Estão presentes no sul do estado do Maranhão, tendo migrado para essa região, vindos do Pará, no fim do século XIX. Atualmente, sua população soma cerca de 2.300 índios. 

Na exposição, além de conhecer algumas lendas, vestimentas, objetos e detalhes dos rituais que acontecem durante a Festa do Cauim, aprendi que os índios Ka’apor têm uma língua de sinais própria. Como a LIBRAS, essa língua se diferencia de mímicas e gestos, possuindo uma estrutura bem definida e sendo usada para a comunicação entre e com os surdos da aldeia. A proporção de surdos entre os Ka’apor já foi bastante elevada, quando comparada com os dados nacionais, chegando a um surdo para cada 75 ouvintes, no final da década de 1960. Por isso, muitos índios não surdos conhecem e utilizam a língua de sinais ka’apor no seu cotidiano. 

Alguns fatores podem explicar a alta prevalência de surdos em uma população, tais como aspectos genéticos e a prática de endogamia (casamento entre parentes), como é o caso da ilha Marta’s Vineyard, na costa nordeste dos Estados Unidos, onde a incidência de surdez chegava à 25%, em algumas regiões. Neste caso, casamentos consanguíneos, entre os primeiros colonos, ainda no século XVII, potencializaram a transmissão de um gene recessivo transmissor de surdez*. Entre os Ka’apor é possível que a alta ncidência de varíola aviária tenha contribuído para o grande número de surdos, porém, não há uma pesquisa consistente sobre isso.

A Língua de Sinais Ka’apor Brasileira foi registrada pela primeira vez na década de 1950, no entanto, não se sabe desde quando ela é praticada por esse povo. O que se sabe é que, entre os Ka’apor, os surdos são integrados à vida cotidiana da tribo e não sofrem discriminação. Esse exemplo dos Ka’apor nos mostra de forma contundente que quando a surdez não é vista como uma deficiência, mas como uma característica, surdos e ouvintes podem conviver em harmonia.

Arquivo pessoal


* Fonte: Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos, de Oliver Sacks.

Veja um vídeo de uma história contada em Língua de Sinais Ka'apor Brasileira,
gravado pelo pesquisador Gustavo Godoy, a quem agradeço por esclarecimentos prestados.

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