* Pesquisa realizada como aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com financiamento da CAPES, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, e da Fapesb, pelo Programa de Bolsa de Doutorado.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

A FAMÍLIA BÉLIER

Em dezembro de 2014 o filme francês La Famille Bélier foi lançado em meio a uma grande expectativa. Estrelado por três famosos atores franceses, Karin Viard, como Gigi, François Damiens, como Rodolphe, e Eric Elmosnino, como Senhor Thomasson, mas protagonizado pela estreante Louane Emera, como Paula, o filme lotou os cinemas na França nas primeiras semanas de exibição. Em outros países, seu sucesso de público também foi expressivo.
O filme, ao mesmo tempo cômico e emocionante, tem um enredo banal: uma adolescente que descobre um grande talento, mas que não recebe o apoio imediato de seus pais para perseguir seu novo sonho. Sua particularidade, o fato dos pais e do irmão mais novo de Paula serem surdos. Ele se propõe, portanto, a apresentar uma história comum, porém em um contexto pouco conhecido: a experiência de ser um CODA (Children of Deaf Adults), o nome que se dá pra filhos de pais surdos, e, nesse caso, um CODA ouvinte.
Embora seja uma população relativamente pequena em termos absolutos, os filhos ouvintes de pais surdos representam cerca de 95% dos filhos de surdos. Curiosamente esse é o mesmo percentual de pais ouvintes de filhos surdos. Isso significa que, em 95% das famílias em que há um surdo, há uma grande tendência à que as relações de linguagem se estabeleçam de forma bilíngue. Ou seja, essa é uma situação de grande importância e que desperta questões extremamente complexas.
Mesmo reconhecendo sua importância por tratar desse tema, A Família Bélier recebeu muitas críticas. Começo pela minha própria: na versão original, em francês, apenas as partes em que os personagens se comunicam em língua francesa de sinais (LSF) foram legendadas, não demonstrando uma preocupação em tornar o filme acessível para a comunidade surda francesa, seja legendando todas as falas, seja incluindo a interpretação em LSF dos diálogos em francês falado, o que seria o ideal.
Outra forte crítica foi o fato de os pais de Paula serem interpretados por atores ouvintes. Apenas seu irmão, Quentin, foi interpretado pelo ator surdo Luca Gelberg. Segundo os usuários de LSF, isso resultou em que muitos erros grosseiros fossem cometidos na utilização dessa língua. Atores surdos poderiam ter sido convidados para interpretar os papéis, o que, além de evitar esse problema, seria um reconhecimento de sua competência e talento. 
Uma última crítica se dirige ao fato do talento de Paula ser justamente cantar. Para muitos, isso reforça o caráter clichê do filme e se sustenta sobre uma visão ouvintista de que o fato de não poder ouvir música ocasionaria um grande sofrimento para o surdo. Particularmente, acho que isso faz com que o filme perca em sutileza, mas, inegavelmente, ganhe em apelo ao público geral.
Acho que é preciso avaliar A Família Bélier pelo que ele é: um filme feito por e para ouvintes. Ele não acrescenta muito às pessoas que já se interessam e convivem com os Surdos e seus filhos. Porém, tem os elementos necessários para chamar atenção para a questão, ainda que de forma superficial, para a maioria da população, que nunca pensou sobre o assunto. Penso que isso tem um valor em si. A questão que gostaria de discutir é: isso seria suficiente para compensar as falhas atribuídas ao filme?

Trailer:

5 comentários:

  1. Não vi o filme mas gostei de sua crítica porque explica aspectos geralmente conflitantes entre surdos e ouvintes, e entre surdos oralizados e surdos sinalizados...claro que um filme não é uma tese acadêmica mas pode ser uma maneira interessante de apontar esses sutis conflitos desconhecidos pelo públco que não convive com a surdez.

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  2. Não vi o filme mas gostei de sua crítica porque explica aspectos geralmente conflitantes entre surdos e ouvintes, e entre surdos oralizados e surdos sinalizados...claro que um filme não é uma tese acadêmica mas pode ser uma maneira interessante de apontar esses sutis conflitos desconhecidos pelo públco que não convive com a surdez.

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    1. Soramires, obrigada por seu comentário. Você tem razão, podemos nos relacionar com um filme como uma produção artística, pelas emoções e reflexões que ele provoca, mas sem a cobrança por uma precisão conceitual. As críticas nos ajudam a fazer reverberar e ampliar seus efeitos, aprofundando a discussão.
      Um abraço!

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  3. Ainda não assiti, mas pretendo. Agora assistirei atenta ao pontos que vc levantou. Vi uma peça recentemente sobre um garoto surdo em uma família de ouvintes, que opta por usar só libras ao conhecer e namorar com uma garota CODA ouvinte que está perdendo a audição. O bacana da peça é que, além de ser traduzida em libras, ao final, eles promovem uma discussão com a platéia sobre o tema.

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    1. Juliana, convido você a voltar aqui depois de ter assistido pra compartlhar conosco suas impressões. Infelizmente, não pude assistir a essa peça, mas as críticas que vi foram bastante positivas. Fico contente que esse tema esteja sendo tratado de forma a interessar a todos.
      Um abraço

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